A malhação da Judas

Aquele cão era especial. Aonde o dono fosse, estava por perto. Chovesse ou fizesse sol.

Se alguém se aproximasse de Anselmo de forma pouco amistosa logo rosnava.

Isso se não atacasse de pronto. E só a voz do dono – “calma amigo!” – o deixava novamente dócil e carinhoso.

Se Anselmo precisava ir ao patrimônio, o cão corria atrás da montaria. Quando o homem apeava, lá estava, ofegante, o seu amigo, grande amigo.

E, sem dúvida, Anselmo precisava de amigos. De temperamento esquisito, o homem de tez muito amarelada – sempre taciturno e escondendo-se pelos cantos – não era benquisto pelos outros moradores da fazenda. As crianças, essas morriam de medo pela sua fama de transformar-se em lobisomem na quaresma.

Apesar de tudo, era um excelente peão e Zé Corrêa o tinha em boa conta.
Na fazenda também morava um amigo de Zé Corrêa, cuja mulher era danada que só. Vivia arreliando o pobre homem.

Certo dia Anselmo arquitetou um plano de vingança. Passou dias e dias construindo um boneco recheado de palha, em tamanho real. Vestiu-o com roupas velhas e esperou a quaresma chegar.

Era véspera de sexta-feira santa, o dia de malhar Judas. Anselmo silenciosamente foi até à casa de seu desafeto, pendurou o boneco na varanda e foi dormir. Queria mostrar a todos que ali morava Judas, ou melhor, a Judas.
Já estava quase amanhecendo quando ouviu a voz do patrão, muito bravo:
_ “Acorda, Anselmo e vai lá desmontar a sua arte antes que o João acorde!”
Anselmo levantou correndo, colocou o botinão e saiu para o quintal, atônito. Como é que podia ser? Ninguém sabia o que fizera, ninguém conhecia aquela roupa velha.

Como podia ser?!

Na madrugada escura encontrou seu Zé, bravo feito uma cobra. O homem era muito bom, mas quando ficava bravo…

Anselmo fora descoberto. Era só olhar para o patrão para saber. E ficou apavorado: emprego bom como aquele não era fácil não!

_ “Ah, seu Zé, o sinhô me descurpe. Prometo que num faço mais!” – choramingava o pobre enquanto corria para alcançar o patrão, que não disse mais nenhuma palavra.
Chegando em frente ao Judas Anselmo soube, de imediato, como fora descoberto: deitado aos pés do boneco, cuidando de suas roupas, estava o seu mais fiel amigo!