Sou uma colecionadora de histórias.

Ao longo de mais de 30 anos anotei, gravei e arquivei relatos de pessoas da minha cidade, muitas das quais já não estão entre nós.

Tudo começou com minha avó Anita, com quem combinei escrever um livro com os “causos” que ocorreram desde a entrada dela e meu avô – eternos apaixonados – no local em que, mais tarde, se formou Primeiro de Maio.

Ela dizia que as coisas tristes deviam ser esquecidas por isso só me contava fatos que eu pudesse transformar em crônicas boas de ler. Ela tinha razão, mas acontece que a história não se resume aos sucessos e muita coisa ficou de fora, longe do meu alcance, já que não as vivi.  Aliás, uma coisa que sempre me impressionou é o fato de sentir saudades de uma época em que não vivi.

Foram horas e horas aos pés da sua cadeira de balanço no terração da antiga casa da Villa Anita – mais conhecida como Bosque – tomando notas enquanto a observava crochetar uma de suas colchas ou bicos em panos de prato.

Após algum tempo passou ela mesma a fazer anotações, com sua letra já trêmula e irregular mas inconfundível. Letra de mulher inteligente, lutadora, forte. Letra que denunciava a cronologia do corpo, impossível de captar de sua mente arguta de mulher à frente de seu tempo, muito à frente. Esses escritos eu guardo como se guarda um tesouro.

Meu último encontro com ela foi durante o sono. Estava em viagem, em um hotel, quando veio me visitar. Nos sentamos aos pés da cama e conversamos por algum tempo. Pedi a ela que me levasse junto, ao que respondeu que meu tempo aqui ainda era, e seria, necessário. Chorei muito, nos abraçamos e ela foi embora. De manhã, quando acordei, senti a grandeza do nosso encontro e guardei aquele momento com um carinho imenso.

Isso já faz muitos anos, como também já faz muitos anos que ela se foi. A vida passa muito rápido e quando não podemos – ou não sabemos – dar a devida importância aos fatos, o tempo nos atropela. Nossos escritos foram cuidadosamente guardados em um pequeno arquivo e ali ficaram até que a vida trouxesse pra perto de mim outra leoa, a outra Anita, a Maria Annita, minha mãe.

Mesma casa, mesmo terração – agora sem a cadeira de balanço e entre tricôs e bordados – passamos longas horas recordando felicidades e tristezas, rindo muito ou chorando.

Com ela saí muitas vezes pela cidade conversando com as pessoas só que, agora, gravando. Minhas últimas “entrevistas” foram na barbearia do Seu Florindo, onde sempre tinha um amigo fazendo “ponto”. Que histórias maravilhosas consegui  ali!

Desses relatos vou escrevendo minhas crônicas, todas baseadas em fatos reais mas com uma boa dose de imaginação para tornar o fato agradável e interessante. Em muitas delas troquei, convenientemente, os nomes dos personagens por nomes fictícios.

Atendendo ao desejo de minha avó, procuro escrever histórias leves, engraçadas. Em alguns casos, porém, é só tristeza.

Ainda há muito a pesquisar, muitos a entrevistar, mas agora o tempo passa ainda mais rápido e preciso colocar ponto final onde só poderia haver reticências!