Era sábado e o movimento de carroças na avenida, intenso. O entra e sai das lojas sugeria a prosperidade da vila.

Sentado em frente à venda, Porfírio tocava com paixão. O tosco banco, branco de tanto lavado, gemia e entortava sob seu peso. Ficou ali por horas, até que o ar fresco da noite o levasse para casa.

Caprichosamente colocou o violão na prateleira. Lavou-se na bacia de ágate, apagou a lamparina e deitou-se ao lado de Maria que, instintivamente, encolheu-se no seu canto para ceder-lhe espaço.

As primeiras luzes da manhã a encontraram soprando as brasas para avivar o fogo. Coou o café, sentou-se no rabo do fogão com uma caneca da bebida, doce e fraca, em uma das mãos e uma grossa fatia de pão sovado na outra.

Não Estranhando a quietude do marido, voltou ao quarto. Esperou algum tempo, acercou-se dele: estava pálido, o peito não se movia. Chacoalhou-o, mas…nada!

Saiu correndo, assustada, atrás de Dona Anita. A farmacêutica era o único “médico” das redondezas.

Mas nada se pode fazer e Porfírio foi dado como falecido.

Na sala os parcos móveis deram lugar ao defunto e deu-se início ao velório.

Pouco a pouco as pessoas foram chegando, até que toda a vila estava por ali. Que dia mais apropriado para morrer o domingo!

Zé Corrêa colocou as mãos sobre as do morto, orou por ele e afastou-se, pensativo. Deu uma volta, conversou um pouco, retornou para o lado do caixão. Observou longamente o falecido, novamente orou com as mãos sobre as dele e se retirou, ensimesmado.

À tarde o cortejo fúnebre seguiu pelas ruas poeirentas até a pequena igreja – o padre aguardava para encomendar o corpo – e dali partiu para o cemitério que, graças a Deus, ainda era habitado por poucos.

Zé Corrêa esperou a cerimônia chegar ao fim e, sem alarde, pediu ao coveiro que deixasse o caixão aberto até o dia seguinte. Anita, que percebera seu ar taciturno, esperava. Sabia que, fosse o que fosse, o marido dividiria com ela.

“As mãos dele estavam quentes!”, Zé Corrêa não tardou em dizer.

A mulher levou um choque! Confirmara a morte de Porfírio mas, afinal, não era médica. Olhou para o marido, assustada, sem coragem de verbalizar sua dúvida.

A noite chegou e, com ela, a chuva que se anunciara desde a manhã. À medida em que sua intensidade aumentava, aumentava a inquietude de Zé Corrêa. Era já bem tarde quando não aguentou mais. Levantando-se de supetão pegou o lampião que estava sobre a mesa e puxou a mulher pela mão: “Vamos fechar o caixão!”

Tremendo por dentro, Anita aquiesceu prontamente. O caminho para o cemitério estava escuro; nuvens pesadas escondiam o clarão da lua. Percorreram todo o trajeto em silêncio, a água escorrendo pelas capas de chuva.

Chegando à beira da cova – botas afundadas no lamaçal grudento – Anita, suando frio, pegou o lampião.

Já no primeiro passo Zé Corrêa escorregou, caiu de costas e foi deslizando até estatelar-se lá no fundo, em cima do pobre, e agora frio e encharcado Porfírio.

Gemendo alto – de dor ou de medo não se sabe – levantou-se e correu a escalar a parede.

Quando conseguiu sair, enlameado até o último fio de cabelo, segurou firmemente o lampião com uma das mãos; com a outra, agarrou a mão de Anita e, sem dizer nada nem olhar pra trás, tomou rapidamente o caminho de casa.

Porfírio que ficasse para o dia seguinte!